TAP e Barraqueiro sob investigação. Governo vê buscas da PJ "com normalidade"

A Polícia Judiciária lançou uma operação de buscas na TAP e na empresa de transportes rodoviários Barraqueiro. O processo de privatização de 2015, na reta final do Governo de Pedro Passos Coelho, está na origem desta investigação. O atual Executivo vê as diligências "com normalidade" e o presidente da República espera rapidez.

Cristina Sambado, Carlos Santos Neves - RTP /
Nuno Patrício - RTP

A operação de bucas desencadeada esta terça-feira na TAP e na Barraqueiro é dirigida pelo DCIAP. Em causa estão suspeitas da prática dos crimes de fraude, burla qualificada e branqueamento.

Em declarações aos jornalistas, o diretor nacional da Polícia Judiciária, afirmou que os inspetores estão a dar "apoio e suporte ao DCIAP, com muitos meios da instituição".
Em comunicado enviado às redações, o Ministério Público confirmou que estão a decorrer, no âmbito da “Operação voo TP789”, buscas residenciais e não residenciais em 25 locais, incluindo empresas, sociedades de advogados e sociedades de revisor oficial de contas. Não está prevista qualquer detenção.

“Estas diligências visam a obtenção de prova respeitante a factos participados ao Ministério Público em dezembro de 2022 e relacionados com a aquisição pelo agrupamento ATLANTIC GATEWAY, à PARPÚBLICA, de 61 por cento do capital social da TAP, SGPS e da subsequente capitalização daquela entidade com fundos provenientes de um financiamento acordado, em momento prévio à aquisição, entre a AIRBUS e a sociedade DGN CORPORATION (acionista da ATLANTIC GATEWAY)”, acrescenta o documento.

Segundo o Ministério Público, “o objeto da investigação estende-se, também, às decisões contratuais tomadas por acordo entre a AIRBUS e a DGN CORPORATION, em data anterior à da venda direta, com vista à aquisição pela TAP, S.A. de 53 novas aeronaves, e ao cancelamento de encomendas formalizadas em 2005, no contexto de suspeitas de que estas opções contratuais possibilitaram aquisição da participação social da companhia pelo consórcio ATLANTIC GATEWAY, e a respetiva capitalização, com recurso a financiamento externo, a pagar pela própria companhia e com prejuízos para a mesma.”

O Ministério Público está ainda a investigar “custos suportados pela TAP, S.A. com entidades ligadas à ATLANTIC GATEWAY, em momento prévio à venda direta, no contexto daquele processo, bem como factualidade respeitante ao período em que a gestão da TAP, S.A. esteve a cargo dos acionistas privados, envolvendo a situação fiscal de pessoas singulares e sociedades ligados a essa gestão”. Para o Departamento de Investigação e Ação Penal, “em causa estão factos suscetíveis de configurar a eventual prática de crimes de administração danosa, de participação económica em negócio, de corrupção passiva no sector privado, de fraude fiscal qualificada e de fraude à Segurança Social qualificada”.

A investigação encontra-se a cargo de uma equipa mista constituída por duas magistradas do Ministério Público, dois inspetores da Polícia Judiciária (PJ), um inspetor da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), uma inspetora da Segurança Social e dois especialistas do Núcleo de Assessoria Técnica (NAT) da PGR.

A operação desencadeada esta terça-feira conta com a colaboração da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ, da AT, do Instituto da Segurança Social e do NAT. Presidem a buscas, em alguns dos locais visados, dez procuradores e sete juízes.

A TAP garante que está a colaborar com as autoridades em todas as investigações. A companhia aérea acrescenta que “não comenta processos judiciais”.

O Grupo Barraqueiro confirma, por sua vez, as buscas na sede da empresa em Lisboa e manifesta total confiança e tranquilidade na sua intervenção no processo de privatização da TAP.

O grupo gerido por Humberto Pedrosa acrescenta que, “de uma forma voluntária, já tinha sido entregue no Ministério Público um dossier com toda a informação relevante sobre o processo de privatização da TAP, incluindo extensa prova de não ter realizado qualquer ato menos claro ou suspeito de irregularidade”.
Governo vê buscas "com normalidade"

O Ministério das Infraestruturas e Habitação veio entretanto afirmar, em comunicado, que encara "com normalidade" as diligências levadas a cabo pela Polícia Judiciária.

"Não nos compete comentar processos ou diligências judiciais, mas antes encará-los com normalidade", reagiu o gabinete Miguel Pinto Luz, para enfatizar que "toda a colaboração com as autoridades competentes será garantida e o Estado português continuará a assegurar que o processo decorra com integridade".

O Executivo assinala ainda que o dossier de privatização de 2015, quando Miguel Pinto Luz era secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações, "foi escrutinado pelo Tribunal de Contas e pela Assembleia da República, através de uma Comissão Parlamentar de Inquérito".

O Ministério destaca, por último, que "está absolutamente concentrado no corrente processo de privatização da TAP, cujo prazo para a apresentação de Propostas de Intenção de Compra finda no próximo dia 22 de novembro".
"Quando se fala na TAP, o que importa é a posição de Portugal"

O presidente da República manifestou, por seu turno, a expectativa de que a investigação seja cabal e rápida.

"É vantajoso para a privatização da TAP em geral que tudo o que houver a investigar seja investigado cabalmente mas também rapidamente", declarou Marcelo Rebelo de Sousa, em declarações aos jornalistas no Campus de Carcavelos da Universidade Nova de Lisboa.

O presidente referiu que "uma operação como a privatização da TAP implica candidaturas, implica interesse de vários candidatos", pelo que "quanto menor for a dúvida sobre o que se passou, sobretudo há muito tempo, melhor é para a posição de Portugal".

"Quando se fala na TAP, o que importa é a posição de Portugal", sustentou.David Neeleman terá usado fundos da TAP

A investigação diz respeito ao processo de privatização em 2015, no qual a TAP foi vendida a um consórcio liderado pelos empresários David Neeleman e Humberto Pedrosa.A privatização da TAP ocorreu em 2015, durante o Governo de Pedro Passos Coelho. A ministra das Finanças era Maria Luís Albuquerque e o secretário de Estado com a tutela da TAP era Miguel Pinto Luz – atual ministro com a tutela da companhia aérea.

O inquérito que corre no Departamento Central de Investigação e Ação Penal teve origem numa queixa apresentada, em 2023, pelos então ministros dos Transportes e Finanças, Pedro Nuno Santos e Fernando Medina, respetivamente.

Em causa estão suspeitas de que o empresário David Neelman tenha usado fundos próprios da companhia aérea portuguesa para, juntamente com Humberto Pedrosa, o proprietário da Barraqueiro, a comprar. Além da TAP e da empresa de transportes Barraqueiro, os inspetores da Polícia Judiciária estão ainda a fazer buscas em empresas de consultadoria e escritórios de advogados.

A situação foi sinalizada pela Inspeção Geral de Finanças que, em 2024, apontou a coincidência entre o valor das prestações suplementares de capital a que os dois empresários estavam obrigados a fazer na TAP e um contrato já existente entre a empresa e a fabricante de aviões Airbus.

Em 2023, a Comissão Parlamentar de Inquérito à Tutela Política da Gestão da TAP enviou a documentação recolhida para o Ministério Público.
A CPI encontrou fortes indícios, na documentação enviada pela TAP SA e TAP SGPS, de que um conjunto de pagamentos de despesas da DGN (empresa de David Neelman) com a compra da TAP foi pago pela própria companhia aérea portuguesa.

Entre os pagamentos estão despesas de consultadoria (15 milhões); salários dos administradores, já após a compra, pagos através de uma prestação de serviços, evitando pagamento à Segurança Social; e uso indevido de viaturas da empresa.

Um dos temas mais abordados na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à Tutela Política da Gestão da TAP, em 2023, foi o dos chamados fundos Airbus, um negócio feito pela sociedade DGN, liderada por David Neeleman, com a fabricante de aviões, que implicou a anulação de um contrato anterior para o leasing de 12 aviões A350, e a concretização de um novo para a aquisição de 53 aeronaves de outra gama.
No âmbito desse negócio, a Airbus providenciou créditos de capital à DGN, no valor de 226,75 milhões de dólares, para serem canalizados para a TAP através da Atlantic Gateway.


O consórcio Atlantic Gateway - composto pelos acionistas David Neeleman e o empresário português Humberto Pedrosa - venceu a privatização da TAP, levada a cabo na reta final do Governo do PSD/CDS-PP, operação que foi parcialmente revertida em 2015, pelo executivo de António Costa (PS).

Ao longo das audições da CPI, vários deputados foram questionando os depoentes sobre qual o conhecimento que tinham da operação, considerando que a capitalização da TAP em 2015 foi feita com verbas da própria companhia.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou, em setembro do ano passado, a receção do relatório da Inspeção-Geral das Finanças (IGF) sobre a privatização da TAP, em 2015, e enviou o documento para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).


Em meados de outubro de 2022, Pedro Nuno Santos revelou que a administração da TAP tinha pedido uma auditoria por suspeitar estar a pagar mais pelos aviões do que os concorrentes e que o Governo encaminhou as conclusões para o Ministério Público.

O departamento do Ministério Público responsável pela investigação à criminalidade organizada mais grave, complexa e sofisticada investiga alegadas suspeitas de corrupção na compra de aviões da TAP pelas anteriores administrações da empresa.

O relatório da IGF sobre a TAP refere que a Atlantic Gateway adquiriu 61 por cento do capital da TAP, SGPS, "comprometendo-se a proceder à sua capitalização através de prestações suplementares de capital, das quais 226,75 milhões de dólares americanos (MUSD) foram efetuadas através da sócia DGN Corporation (DGN) com fundos obtidos da Airbus".

Aquele montante de capitalização, acrescenta, "coincide com o valor da penalização (226,75 MUSD) assumida pela TAP, SA, em caso de incumprimento dos acordos de aquisição das 53 aeronaves (A320 e A330), o que evidencia uma possível relação de causalidade entre a aquisição das ações e a capitalização da TAP, SGPS e os contratos celebrados entre a TAP, SA e a Airbus".

c/ Lusa
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